Claudine U. Whitton

Olhares estrangeiros sobre la fiesta brava

Treze horas e quarenta e cinco minutos. Segunda-feira. Todos prontos para mais um encontro do Curso de Cultura Latino-Americana, projeto eletivo oferecido a alunos de Ensino Médio.

Semanas antes, pensava a respeito de uma nova sequência didática para o curso, tratando de relacionar as discussões promovidas nos encontros semanais com o tema mais abrangente da série, “Questões Contemporâneas”. Após muito matutar, cheguei à conclusão de que seria interessante propor ao grupo alguns olhares a respeito das corridas de toros ou touradas, como as conhecemos em língua portuguesa, a fim de que cada um pudesse refletir sobre as contradições, conceitos e valores pessoais, e se preparasse para um debate que aconteceria semanas depois.

Interessava-me abordar a atual polêmica gerada em torno do tema com a criação de algumas leis e grupos organizados para extinguir tal prática cultural; mas para isso, era preciso percorrer um longo caminho.

Da teoria à la plaza

Desde o princípio, um cuidado necessário de minha parte era não perder a perspectiva cultural do curso, para que cada aula não se limitasse à feitura de exercícios de identificação ou de uso de estruturas linguísticas com um pano de fundo taurino. A meta a que me propunha era provocar e verificar como cada aluno lidava com um traço cultural das touradas: a morte como celebração.

A visualização de espetáculos taurinos afetou sensivelmente boa parte do grupo; pude comprovar expressões de dor, compaixão, curiosidade e incredulidade. Um desafio que se instalara entre nós era o de transpor a barreira do julgamento imediato a respeito de um tema caro à cultura hispano-americana e, por supuesto, estrangeira, e tentar considerar os argumentos apresentados a favor do ritual.

Nesse sentido, antes de apresentar qualquer debate ou entrevista, foi fundamental dedicar um tempo didático para tratar do conceito de patrimônio cultural imaterial, abordar as ideias que o sustentam em uma sociedade e conhecer alguns exemplos de patrimônios culturais imateriais ao redor do mundo. Falamos sobre o alcance geográfico das touradas, como haviam cruzado fronteiras continentais e aportado na América Latina, sendo praticadas em países como Equador, Colômbia, Venezuela, Peru e, sobretudo, no México. Outros encontros apontaram para o conhecimento de projetos de lei em tramitação nesses países elucidando a complexidade e as contradições que as corridas provocam atualmente nas sociedades nas quais seguem vigentes. Tomemos como exemplo a lei colombiana 84, de 1989, que por um lado garante proteção aos animais em seu território nacional, e por outro, em seu artigo número sete, descreve os casos de exceção: as touradas, as rinhas de galo, entre outras atividades de entretenimento e prática cultural. Diante desses casos, os animais devem “recibir protección especial contra el sufrimiento y el dolor en el trascurso de esas actividades”. 

Foi dessa forma que, dentre os argumentos apresentados por anti-taurinos está a defesa radical da extinção dessas práticas, sustentada por um discurso em que a ética deveria se sobrepor a essas manifestações tidas como culturais. Na direção oposta, caminham os aficionados às touradas, como os intelectuais Mario Vargas Llosa e o espanhol Fernando Savater. Considerados pró-taurinos, tratam de defender as corridas fazendo uso da retórica. Segundo o filósofo espanhol, não existe ética animal e tampouco imoralidade quanto à realização das festas taurinas, uma vez que a moral “trata das relações entre nossos semelhantes e não com o resto da natureza”. Afirma ainda que as corridas nada têm relação com direitos humanos, já que os “direitos animais” não existem.

Após a leitura do texto de Savater, os alunos tiveram como tarefa escrever um contraponto à visão do espanhol, um exercício que os prepararia para a realização do debate final. Compartilho alguns trechos escritos por eles.

“Yo no estoy de acuerdo con Fernando Savater. Él habla que no hay derechos animales y, por tanto, no hay moral para tratar a los animales como nuestros semejantes, y es justamente así que hemos actuado durante toda nuestra historia […]. La falta de respeto a la naturaleza y la actitud superior frente a ella nos llevaron a romper con el equilibrio de vida a través del crecimiento desordenado de todo […]. La defensa por los derechos animales es una defensa que empieza por ir en contra de este sistema que nos está matando […] y que celebra la muerte apenas para entretener las personas.”

“Pienso que algunas tradiciones tienen sentido en algunas realidades; hoy ya no es aceptable que hayan actividades que tengan animales que sufran. En relación con la cultura, no habrá muchas pérdidas, ya que ellas son hechas de recuerdos e historias”.

No afã de tentar compreender com outros olhares o espetáculo, enveredamos por outras sendas, das artes; além de assistirmos a um programa da série La Otra Aventura, recheado de referências taurinas presentes na literatura e nas artes plásticas, contamos com a sorte de visitar a exposição Tauromaquia, em cartaz na cidade de São Paulo justamente na época em que discutíamos o tema. A referida Mostra retratava as corridas de toros por meio das obras de três grandes mestres espanhóis: Goya, Picasso e Dalí. Foi impactante ver nas pinceladas as representações simbólicas que o touro adquirira para cada artista. Por um momento, pudemos nos distanciar dos juízos de valores pré-estabelecidos e tão arduamente defendidos para calar e apreciar esteticamente a fiesta brava.

Um olé à diversidade cultural!


Referências
Noticia Cadena Tres
http://www.youtube.com/watch?v=uS2MMp57pck
Artigo de opinião Fernando Savater
http://elpais.com/diario/2010/07/29/revistaverano/1280354402_850215.html
Programa La Otra Aventura
https://www.youtube.com/watch?v=WjjJLH8ZduY
Exposição Tauromaquia
http://faap.br/hotsites/exposicao-tauromaquia/