Editorial
“Quero falar da descoberta que o eu faz do outro. O assunto é imenso. Mal acabamos de formulá-lo em linhas gerais já o vemos subdividir-se em categorias e direções múltiplas, infinitas. Podem-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu. Somente meu ponto de vista, segundo o qual todos estão lá, e eu estou aqui, pode realmente separá-los e distingui-los de mim. Posso conceber os outros como uma abstração, como uma instância de configuração psíquica de todo indivíduo, como o Outro, outro ou outrem em relação a mim. Ou então como um grupo social concreto ao qual nós não pertencemos. Este grupo, por sua vez, pode estar contido numa sociedade: as mulheres para os homens, os ricos para os pobres, os loucos para os ‘normais’. Ou pode ser exterior a ela, uma outra sociedade que, dependendo do caso, será próxima ou longínqua: seres que em tudo se aproximam de nós, no plano cultural, moral ou histórico, ou desconhecidos, estrangeiros cuja língua e costumes não compreendo, tão estrangeiros, que chego a hesitar em reconhecer que pertencemos a uma mesma espécie. (...)”
T. Todorov em A conquista da América, São Paulo, Trad. Beatriz Perrone-Moisés, Martins Fontes, 2010, p. 3 e 4.