Elaine Cristina de Brito

Quem eu sou?

Quem eu sou? O que estou fazendo neste mundo acadêmico?

Eu sou a teimosa, atrevida, aquela que não se conforma com as imposições da vida, sou aquela que grita na solidão da noite, que às vezes invade ambientes contrários aos meus.

Quem eu sou? No mundo dos poucos, com braços fortes, sou aquela que empurra um outro. Será que sou burra?

Quem eu sou? “Só abre a boca cheia de achismo ou senso comum, você não vê que não é ninguém?”

Quem sou eu? Eu não sou ninguém nesta massa alienada, ignorada e dominada pela elite do poder. Não sou nada, nem ninguém.

Talvez me ache, num instante acho que sou alguém. Talvez em algum momento não compreendesse Mestres e Doutores que tentavam me orientar... Weber, Durkheim! Afinal quem são eles? Que difícil nessa minha incompreensão momentânea?

Quem eu sou? Aquela que, não se calou nem mesmo para um desabafo ou para aquilo que para outros seria pura besteira. Me esforço, dou além de mim... Mais ainda sou aquela que diz plobrema, aquela que pensava que não teria vez, pois me batem na boca e no coração quando apontam que eu devo retroceder... Que devo aprender a falar para lecionar.

Quem eu sou? Sou a menina com a mala cheia de sonhos que as dezoito anos conheceu Karl Max e as ideias de Lênin para um mundo melhor, e me apaixonei por Guevara... Pensei em ser comunista.

Quem eu sou? Olhos não voltados para seres como eu me diziam: “Você é analfabeta funcional, seu lugar não é aqui... O que você pode ensinar?”

Quem eu sou? Eu sou a coragem de não se calar mesmo com português popular. Vocês vão me ouvir falar besteira, asneira ou até senso comum, chega de me oprimir.

Quem eu sou? Eu sou uma paulistana em quem a vida deu uma rasteira. Fui jogada daqui para ali, e nunca desisti. Fui morar na margem deste país, fui favelada da favela do São Luiz, vendedora, feirante e entrevistadora... Fui e ainda continuo sendo, para alguns, ninguém, e para os meus, a confirmação de alguém.

Quem eu sou? “Você é chata, não deixa os professores falarem, queremos aprender e não escutar você. Afinal o que você poderia nos falar que poderíamos aproveitar? Cala a boca pelo amor de DEUS.”

Quem eu sou? Sem saber o que é sociedade, direitos humanos, cidadania, política entre outros, caio na sala 802 das Ciências Sociais. Que ironia.

Quem eu sou? Entre muitos, eu sou mais uma para cumprir o que manda o capital, capital que abre a porta para as classes C, D, E. Estou aqui no meio de muitos mudando as estatísticas. Quem pode dizer que analfabetos não têm direito a universidade?

Quem sou eu? Sou atrevida, não me encaixo aqui neste espaço, este lugar é dos intelectuais. Foi a brecha do sistema que colocou este curso a preço popular, mesmo sendo administrado por doutores, mestres e especialistas. Aqui sim será o meu lugar.

Quem eu sou? “Você é a intrusa que não cabe aqui, você é a desvalorização do mundo acadêmico. Quem já viu alunos da EJA aqui?” Assim diria Schumpeter.

Quem sou eu? Sou mulher, filha, prima, sobrinha, tia, esposa, mãe, avó, vizinha, amiga, aluna, professora e um ser em transformação, que a todo tempo reconhece seus erros e desconstrói, aprende e constrói novamente para assim continuar aprendendo.

Quem eu sou? Eu sou uma pessoa que tinha orgulho em dizer as minhas origens europeias, neta de português por parte de mãe e neta de italiano por parte de pai. E tinha vergonha de ressaltar minha ancestralidade africana e indígena.

Quem eu sou? Sou uma prova do fracasso da ideologia do branqueamento, eu contradigo o pensamento de Schumpeter, e também deixo a questionar a ideia de Durkheim. O meio transforma o homem, o homem transforma o meio.

Quem sou Eu? Eu sou Elaine, filha de mãe solteira de nome Dulcineia, amante de João o encanador.

Dulcineia foi empregada doméstica, lavadeira, cozinheira, faxineira e todas as eiras que a sociedade permitiu para, assim, ganhar seu pão honestamente. Dulcineia morre de câncer uterino, e o hospital um ano depois liga querendo marcar sua cirurgia. Dulcineia morreu como mais um entre muitos brasileiros, morreu por conta da negligência deste país com a sua população. Para quem Dulcineia faria falta? Para mim que tinha 24 anos quando ela morreu, para os meus filhos que não tiveram o gosto de ter uma avó guerreira.

Querida mãe, sou sua filha inconformada com esta sociedade. Como ela exclui as pessoas não se importando com o ser humano... Esta sociedade fria e calculista, hipócrita, que odeia pobre, odeia o negro, odeia os analfabetos e favelados, e assim vai excluindo a todos.

Sou Elaine Cristina de Brito, estudante da EJA, da 6º serie até o ensino médio. Sou feita no candomblé, filha de oxumaré, omulu e inhasã. Ex-favelada, moro no CDHU da zona leste. E sem esquecer o mais importante: sou CORINTHIANS!

Hoje, comemoro a conclusão da licenciatura em Ciências Sociais.