Mário Luiz Ferrari Nunes

Tempos Pós

Este texto deriva de várias fontes de inspiração, tais como o facebook, as conversas dos encontros nos eventos familiares, na turma do futebol entre tantas. Assume a forma de ensaio e a expectativa é a de que os leitores não se preocupem com a sua literalidade, mas, sim, como dizia Derrida, que possam fazer dele outras escrituras.

Mas, afinal, o que seria o ensaio? A noção aqui presente foi apresentada por Michel Foucault (1998) e explicado por Larrosa (2004). Na escrita da História da Sexualidade II: o uso dos prazeres, Foucault qualificou seu pensamento como ensaio. O filósofo (re)inventou o termo como forma de questionamento da Modernidade.

Em relação a essa operação (ensaio), Larrosa (2004) considera que o ensaio é no presente e para o presente. Explica que ele permite novas experiências sem submissão a uma autoridade do passado. Do mesmo modo, não há como pensar no futuro, a não ser como algo tão incerto que é impossível projetar-se nele. Por outro lado, o presente em que se dá a escrita é arbitrário, contingente e provisório. Nessas condições, o ensaio escapa a qualquer tentativa de defini-lo de modo específico. O ensaísta escreve e pensa sobre e a partir de si mesmo, por isso arca com a responsabilidade do que profere. O que o ensaísta escreve nada mais é do que a biografia de sua subjetividade. É a exposição de sua trajetória e dos acasos e condições que a constituíram. O ensaio é o lugar no qual a subjetividade ensaia a si mesma a partir da sua incerteza e transformação. É um pensamento que parte de um distanciamento crítico e surge com a crítica. Ele se articula ao ceticismo e atua apenas como crítica e indagação. Confunde crítica com autocrítica e a vê como um exercício de liberdade em que a experiência de ensaiar faz ver até onde é possível pensar, falar e viver de outro modo. O ensaio é uma forma consciente da própria condição de escrita do ensaísta. Ensaia-se escrevendo ao mesmo tempo em que se problematiza a própria concepção do pensamento. O pensamento se faz escrita e se dissolve na escrita. Logo, a escrita é um dos lugares do ensaio no qual se torna possível a experiência de decidir o que nos é dado a pensar e dizer. Daí a dificuldade e limitação da escrita deste texto.

A partir de Foucault,  Larrosa diz que o ensaio é “uma linguagem que modula de um modo particular a relação entre a experiência e pensamento, entre experiência e subjetividade, e entre experiência e a pluralidade” (p.31) das coisas que nos habitam e nos cercam. Uma das características do ensaio é a incessante problematização e reproblematização de si mesmo. Ensaia-se no presente, à distância, como crítica, na primeira pessoa e escrevendo. Ao contrário da Modernidade, na qual o ensaio é o próprio sujeito (nuclear, centrado e racional), em tempos pós e em Foucault, o pensamento se faz escrita e é isso que possibilita a própria transformação no caminho do próprio ensaio. Estamos sempre a ensaiar.

Nessa condição, ensaio nestes tempos: tempos pós. Na Academia, o corpo teórico vem se tornando pós: pós-modernismo, pós-estruturalista, pós-colonialista, pós-crítico, pós-fundacional, pós-humano. Na vida cotidiana, as preocupações estão além: pós-graduação, pós-divórcio, a-pós-entadoria. Nada escapa, a vida, a arte, a política, a educação e o tempo também são marcados como pós: pós-morte, pós-moderna, pós-Thatcher, pós-FHC, pós-Lula, pós-LDB, pós-PCN, pós-guerra, pós-ditadura. E o que mais se fala é no legado da Copa ou no Brasil pós-Copa. Mas, o que seria, afinal, o termo pós?

O crítico pós-colonialista indiano Homi Bhabha (1998) faz uma interessante analogia entre o signo ponte e o uso do termo pós nas teorizações contemporâneas. Para ele, pós não é algo temporal, que vem depois de uma era. Pensar o período pós é como estar sobre uma ponte e dela observar o que está atrás e o que está à frente. Pensar de maneira pós passa pela concepção de ir além para ver de fora o presente e o passado para atuar na sua transformação para a produção do futuro. Pós é o próprio tempo presente, pensando e enfrentando suas limitações. Amplio as ideias de Bhabha e afirmo que pós é um estado de permanente devir.

Outro autor que ajuda a compreender o uso do termo pós é o filósofo francês Jean François Lyotard (1979). Ele questionou as bases dogmáticas das metanarrativas iluministas e atacou a noção de autonomia do sujeito moderno. Para Lyotard, a pós-modernidade não seria o que vem depois da modernidade, mas o que vem antes e a acompanha, relembrando seus crimes e atrocidades.

A partir dessas noções, podemos crer que o cenário pós alerta para o esgotamento: das pretensões totalizantes do conhecimento, da formulação de quadros teóricos, da sujeição dos sujeitos à prova de uma regra geral do conhecimento científico. Nega as narrativas mestras e suas pretensões universais que expressam a vontade de domínio e controle da natureza e dos seres humanos. Tudo isso difundido pelo pensamento moderno. Em tempos pós, o contexto da sociedade globalizada, tecnológica e econômica do século XXI exige novas formas de pensar. Abre espaço para as pequenas narrativas, para as histórias de vida dos comuns, dos silenciados. Criam-se e recriam-se formas alternativas de viver.

Tempos pós: tempos de intolerância, tempos de violência

É na paisagem destes tempos que as fontes de inspiração deste ensaio se encontram. Não há como ficar de fora das discussões que atravessam as redes sociais, a família, o grupo de amigos, a sala de aula etc. Nessas microfísicas travam-se intensas lutas entre gerações, gêneros, raças e outros pelo significado das coisas da vida como o corpo, a saúde, a justiça, a beleza, a culinária, a educação, a política enfim, elementos que são fomentados por uma economia de prazer e afeto. Se há algo que se pode afirmar é que toda estética (aisthésis) é política e que todo sujeito que vive a tensão pós não está anestésico (anaisthésis). Não há mais como viver uma verdade verdadeira.

Se a Academia passa por transformações, sem dúvida, cabe olhar para os fatores que as movimentam. Os temas são múltiplos, inesgotáveis. Sem querer afirmar a verdade, mas apenas ensaiando, focarei a escrita em um deles: a violência. Violência contra os direitos humanos (sem querer entrar no significado disso), contra as crianças, os idosos, os homosexuais, as mulheres, as seitas, enfim, contra as minorias sociais, contra a dignidade humana, contra a liberdade de ser.

Outro dia, estabeleci um diálogo no face com uma pessoa do relacionamento de um amigo, que abordou meu comentário. Falamos a respeito da atual posição da bancada evangélica na Assembleia do Rio de Janeiro no tocante às religiões de matriz africana. A discussão acabou por questionar se seus membros são atuantes ou fundamentalistas. Para o meu outro do diálogo, cada bancada deve defender os interesses de seus eleitores e o conceito fundamentalistaera, para ele, vago. Dizia que os defensores dos gays é que atribuem a pecha de fundamentalistas aos evangélicos, por acharem que os mesmos são contrários à opção sexual de cada um. Defendeu a bancada contra as possíveis postulações de grupos homossexuais a equiparação no âmbito familiar e a linha da doutrina e jurisprudência que nega aos líderes da umbanda, candomblé e as demais linhas espiritualistas, o direito de celebrar o casamento religioso com efeitos civis, reconhecendo tal direito aos Ministros de confissão religiosa, assim entendido por ele, os pastores, rabinos e padres. Não lhe passou pela consciência que o país é laico e interesses religiosos devem ser o direito de cada um ter sua crença, o espaço de seu culto, ou o direito de não ter uma religião, desde que essas opções não firam o Estado de direito.

No mesmo espaço virtual, outro dia, um amigo publicou uma foto de um estuprador todo ensaguentado e enalteceu a violência a qual fora submetido na prisão por 20 detentos, que também o estupraram. Dizia que aquilo era só o começo, pois ele ainda não havia sido julgado. Cabe o comentário de que se trata de um servidor público e agente da segurança pública. Comentei se ele estava defendendo a justiça ou conclamando a barbárie. Com a velocidade de um clique, algumas pessoas de sua rede de relacionamento entraram em cena e debateram (não sei se esse é o termo correto para a maioria das posições contrárias que leio no facebook) a minha pergunta. Revoltados, todos me questionaram: o que eu faria se fosse feito a mesma atrocidade com meu filho? Ao responder que uma das maiores conquistas da sociedade moderna havia sido a consolidação da Justiça e que vingança gera mais vingança, fui novamente abalroado. Houve uma tempestade de alto nível pluviométrico sobre a minha posição. Todos disseram que a Justiça no Brasil não funciona e que, por isso, o ocorrido era legítimo. Além da valorização do feito, diziam que fariam o mesmo, se pudessem. Assim como o sujeito da história anterior, não passou pela cabeça de ninguém, que atacavam e defendiam, ao mesmo tempo, o estupro e os detentos – antes por eles condenados e agora eleitos como estratégia de ação por justiça e seus heróis justiceiros. Não passou por essas mentes que tanto defender um crime como fazer justiça com as próprias mãos também é crime.

O caso acima ocorreu pouco tempo após aparecer nessa rede social a foto de um garoto, suposto delinquente, amarrado em um poste no Rio de Janeiro. Naquele momento, os diversos comentários eram bem ambíguos. Alguns defendiam a cena, outros estavam perplexos. Há mais! Algumas semanas após o caso do estuprador estuprado, ocorreu o linchamento de uma moça no Guarujá, confundida com uma feiticeira. Ao analisar os diversos comentários, fiquei com a sensação de que a maioria da população estava estarrecida, só que com a confusão. A maioria das postagens deixou a crer que se ela fosse a suposta criminosa, o ato seria legítimo. A caça as bruxas ainda acontece.

Talvez eu esteja elocubrando demais. Afinal, na mesma semana, apareceu outra foto de políticos corruptos enforcados no Irã. Em forma de piada, a mensagem era: e se a moda pega no Brasil? Isso sem falar nos discursos acerca das torcidas organizadas de futebol. Para os defensores da paz, seus integrantes são bandidos e o preço dos ingressos deveria ser majorado para que os mesmos não assistissem às partidas nos estádios. Para estas vozes, não parece haver violência na comparação que fazem entre bandidos e aqueles que não têm possibilidade de pagar ingressos caros. Muito menos se leva em conta o trabalho que os organizados fazem ao longo da semana que antecedem aos jogos tais como confecção de ofícios, adereços, cânticos, contratação de ônibus etc. Sem falar no modo como a polícia se relaciona com eles.

Penso que a coisa fica mais emblemática quando o assunto se refere aos atuais movimentos sociais. Aí, dependendo do ponto de emergência do comentário, seus contornos ficam mais confusos. Se retomarmos sua ebulição no Brasil, lembraremos que, de início, as críticas aos seus atos eram constantes nas mídias dependentes e coorporativas e por parte de setores conservadores da nossa sociedade. Rapidamente, as mídias independentes fizeram o serviço de falar por si, de mostrar os fatos por outro viés e, como resultado, o bicho pegou! Alguns mudaram os discursos, outros aderiram as causas e o grito contra o aumento do preço da passagem dos ônibus ganhou ecos e incorporou outras reivindicações. Apesar de a imensa minoria (no sentido político) ganhar fôlego para a luta pelos direitos sociais, foram poucas as pessoas que vi, li, ouvi que defendiam o movimento pelo passe livre ou o direito à mobilidade urbana como direito universal; que a cobrança desse direito é fruto do crescimento urbano, da especulação imobiliária, do afastamento dos despossuídos dos grandes centros. A questão ficava nos custos dos impostos, no desvio do dinheiro público, do favorecimento aos empresários das companhias de ônibus.

De qualquer modo, o que se viu foi o crescimento de um sentimento de desconfiança e descrença contra os políticos, tidos como corruptos, as elites econômicas, vistas como parasitárias, as mídias corporativas, vistas como suspeitas e parceiras dos primeiros. Até aí, a coisa era um misto de romantismo, raiva, revolução e esperança. Eis que os movimentos incorporaram os blacks blocs, importados/traduzidos também de um movimento social: o Occupy Wall Street, nos EUA, e as revoltas sofreram ataques, até de alguns dos que deles participavam. O ponto focal deixou de ser a história desigual do capitalismo e mais ainda a do Brasil oligárquico e passou a ser a violência (dos movimentos, dos aparelhos de Estado).

A violência, novamente em cena, parece esvair os movimentos. No início deles, setores conservadores da sociedade e de alguns governos exigiam que os aparelhos repressores do Estado fossem firmes e dava até a impressão de que os líderes do governo dos estados disputavam quem rechaçava com mais violência a ocupação do espaço público. Mesmo sendo os únicos autorizados na sociedade moderna a dela usar, a violência utilizada pelos aparelhos repressores gerou a simpatia pelo movimento e rapidamente 75% da população passou a apoiá-lo. Depois, boa parte voltou-se contra a violência dos blacks blocs.

Agora, a Copa do Mundo traz de novo os movimentos sociais para a cena e a discussão sobre o uso da violência volta à tona, principalmente por parte daqueles que têm interesses no evento, sejam econômicos, políticos ou afetivos. Diante disso, também vem se tornando comum os críticos aos movimentos anti-Copa do Mundo externarem que o país passará vergonha internacional e a melhor forma de protesto que existe é nas urnas. Por sua vez, estes desconsideram que as urnas apenas enunciam as estratégias discursivas de convencimento sobre pessoas, sejam os letrados ou aqueles que disponibilizam de pouca informação.

Diante de tudo isso, dessa ambivalência do significado de violência, outro dia, comentando esses casos em um encontro familiar, um parente bem próximo enalteceu: “A Ditatura tem que voltar! Com os milicos nada disso aconteceria! Alguns ficaram estupefatos, outros não reagiram”. Sem dúvida, este sujeito resumiu tudo em uma forma única de violência. Se há ambiguidade em tempos pós, a violência é a sua materialização.

Para reforçar essa questão, retomo apenas a questão religiosa. Entendo que o problema são os efeitos das significações produzidas pelo projeto de Lei apresentado pela bancada evangélica, quais sejam; a intolerância, o não reconhecimento do outro enquanto ser da cultura, o apagamento de seus signifcados, enfim, a violência. Por sua vez, nesse caso, ela se manifesta constantemente de forma simbólica como a profusão de feriados católicos e um país multirreligioso; a presença da expressão “Deus seja louvado” nas cédulas do dinheiro nacional; o início de sessões em instituições públicas como escolas e assembleias legislativas mediante a oração do Pai Nosso; a ausência dos saberes das religiões não cristãs no currículo escolar - e o mais performático de todos: a pompa e circunstância com que o líder da Igreja católica é recebido pelas autoridades no país. Ora, se esse país é laico, deveria ser norma a recepção de líderes de eclesias de todos os credos com os mesmos cerimoniais.

O que escapa das análises da posição dos evangélicos, da justiça com as próprias mãos, dos black blocs, de alguns comportamentos das torcidas uniformizadas, dos aparelhos repressores do Estado é a própria noção de violência ou dos seus efeitos sobre a história pessoal de cada um.

Historicamente, este é um país que violentou os direitos civis e a dignidade da maioria de sua população. A história oficial de povo pacato é narrada por certa parcela da população. Exceção aos homens brancos das classes alta e média, cristãos e heterossexuais, os demais grupos foram e são violentamente silenciados, homogeneizados. Só que onde há dominação, há resistência. O país é composto majoritariamente por uma população massacrada. Suas histórias não são escutadas, muito menos valorizadas, reconhecidas. Exceto quando as redes televisivas ou mídia dependente mostra alguém que saiu da pobreza e ficou bem economicamente na vida, fazendo crer que o brasileiro não desiste nunca e cada um pode fazer sua história. Ou seja, história de vida que interessa à manutenção do status quo.

Hoje, ao acessar informações nas redes sociais, nas mídias contra hegemônicas, nas escolas, boa parcela da população percebe que a coisa não é bem assim, que não depende só deles e da vontade de Deus. Depende de muita coisa que impede muitos e facilita alguns a ascenderem socialmente ou diminuir as desigualdades sociais. Por isso, o mundo dos excluídos luta por aquilo que as revoluções burguesas conseguiram e disseram que era direito de todos. Frente a isso, fica difícil criticar os protestos e a violência. O que faz parecer pelas mídias é que são gratuitos. Não são! A catarse coletiva é algo muito comum, sério e tem fundamento. Caso contrário, não ocorreria. Muitos têm vontade de fazer o mesmo, só que com uma educação que os torna dóceis, não o fazem. Temos que entendê-la (a violência) para mudá-la, para não gerar justiça com as próprias mãos.

Tempos pós: tempos da diferença

Se os tempos pós são também tempos de intolerância e violência, significa dizer que essas ações decorrem da presença de algo que as provocam. De uma forma mais generalista, posso dizer que os analistas contemporâneos têm enfatizado que as transformações da sociedade proporcionam novas formas de afiliação e constantes reinvenções de si mesmo. Em síntese, frente às desenfreadas mudanças é impossível definir quem são os sujeitos destes tempos, bem como as suas condições de existência. Foucault já anunciava há quatro décadas o esgotamento das instituições diciplinares que contribuíam para instaurar nos sujeitos as formas de comportamento desejavéis para a produção e a política. Se assim for, em tempos pós torna-se impossível elaborar estratégias definitivas de contenção, regulação e governo das populações. Sem saber lidar com o outro, o que ocorre é um revival de valores particulares e conservadores, que fazem da violência contra o estranho seu maior argumento. Isso pode explicar as ambiguidades descritas anteriormente.

Se for crível dizer que as invenções Modernas como as Ciências, a família, a escola, o sistema penal estão em crise ou esgotadas, não é ilusório dizer que a democracia e organização do Estado moderno sofrem grande rejeição. Nega-se a representação partidária, questiona-se a politização do sistema Judiciário e os vínculos da alta magistratura a um sistema recíproco de favores que envolvem banqueiros, políticos e as elites econômicas. Do mesmo modo, não é mais aceita a concepção de amparo por parte do Estado às grandes corporações às crises que elas mesmas instauram como estratégia de proteção ao sistema produtivo e a coesão social. Como há necessidade de organização coletiva, diante da crise da atual forma de governo de Estado, para Castells (2013) o que ocorre são inovadoras formas sociais de ocupação do espaço público urbano, criação de tempos e espaços próprios, ausências de lideranças e programas, envolvendo a prática de uma agenda com aspectos ao mesmo tempo locais e globais. Não à toa aumenta-se o nível de consciência da população sobre a deliberação participativa e o envolvimento em redes sociais. Talvez estejamos prestes a consolidar outras formas de significar o que venha a ser o Estado ou até mesmo colocá-lo no trem da História.

Como diz Stuart Hall (1998), a tendência à homogeneização global e as pretenções universalizantes da modernidade e seu projeto de dissolver o nacionalismo e a tradição em identidades cosmopolitas geraram o recrudescimento de sentimentos de apegos irracionais ao local e ao particular. Entretanto, o contato com o outro e as suas formas de resistência geraram formas híbridas de ser, cujas partes que as constituem estão sempre em tensão e, por isso, possibilitam ser outra coisa. O que se está a afirmar é que os tempos pós são tempos de mudanças e essas implicam constantes invencionices de formas de dominação e controle do processo de significação e, por conseguinte, novas formas de resistência. O que se está a afirmar é que a transformação do mundo em uma sociedade em rede, embora constantemente alimentada sob muitos aspectos pelo Ocidente como o capitalismo, a heterossexualidade, o cristianismo, a branquitude, o patriarcado e outras identidades dominantes, tem provocado mais deslocamento e descentramento do Ocidente e dessas formas de ser do que o sucesso de qualquer tentativa de homogeneização cultural ou de persistência de valores conservadores.

É nesse jogo que a diferença prevalesce, pois é impossível estabelecer uma norma a ser seguida, um padrão a ser validado. Sem ser igual ou análogo a nada, criando e recriando a si mesmo constantemente, viver a diferença é a possibilidade de se ter uma relação positiva consigo mesmo e com o outro. A diferença é a condição de ser pós! A diferença é a condição necessária de viver em tempos pós.


Diálogos com:

Bhabha, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

Castells, Manuel. Redes de Indignação e Esperança: os movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.

Foucault, Michel. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

Hall, Stuart. A Identidade Cultural na Pós- Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A editora, 1998.

Larrosa, Jorge. A operação ensaio: sobre o ensaiar e o ensaiar-se no pensamento, na escrita e na vida. Educação & Realidade

Dossiê Michel Foucault.  Porto Alegre: v.29, nº1, p. 5-250, jan/jun. 2004.

Lyotard, Jean François. A Condição Pós-Moderna. Rio de Janeiro: José