Helena Verderamis Sellani

Toda atitude é uma semente

Em homenagem a Manoel de Barros

Experiência é aquilo que nos passa.

Experiência é sabor.

Saber é saborear.

E eu saboreei cada momento desta experiência. Principalmente, porque a poesia tem um lugar na minha vida. Nos momentos em que me sinto perdendo o eixo, quando “olho para uma pedra e vejo só uma pedra”, a poesia tem o poder de me trazer de volta o prazer.

Em nossa escola, temos um projeto que se chama Ler é mais! Neste ano de 2014, escolhemos ler poesia. Sentimos ter sido uma escolha muito acertada e feliz. Sim, ela toca as crianças. E a complexa simplicidade ou a simples complexidade, não sei, de Manoel de Barros foi fator determinante para o sucesso desta empreitada. As crianças percebem que para ler poesia não é possível entender tudo ao pé da letra. É preciso sentir as palavras... E isso elas fazem muito bem.

As professoras também foram se reencontrando com a palavra poética.

O dia em que o grupo se reuniu para assistir ao documentário “Só dez por cento é mentira”, sobre a vida e a obra de Manoel de Barros foi maravilhoso. Em alguns momentos, a luz refletida nos rostos das pessoas fazia ver sorrisos e lágrimas. Foi mágico, emocionante. Ali, se formou uma comunidade de destino. Ali, firmamos um pacto silencioso de cumplicidade em favor do poder da palavra poética. A partir daquele encontro o “Ler é Mais 2014” já se anunciava como um sucesso.

O “Lugar de ser inútil”, o “Lugar do poeta” serviu para aproximar, tornar real a presença de Manoel de Barros em nossa escola. Da janela de minha sala, via os pequenos chegando, olhando e tocando aquela mesa e cadeira, cedidas pelo Museu Municipal de nossa cidade, São Caetano do Sul, como se daquela forma pudessem ser tocados pela força e a sensibilidade do poeta.

O espaço ganhou contornos... A professora Fátima trouxe brinquedos e engenhocas construídas há muito, por seu avô. A professora Natália esculpiu em arame as formas desenhadas por Manoel de Barros: molduras antigas ornamentavam imagens e versos preciosos, tal como obras de arte... Aos poucos, foram chegando também objetos antigos das famílias dos alunos para compor aquele lugar. Uma cartografia poética?

Passarinhos foram se materializando pelas mãozinhas das crianças e vieram compor nosso viveiro. Viveiro, lugar de vida! Vida simbolizada pelos pássaros de Manoel. Parece que não teremos coragem de tirá-los de lá nunca. Parece que aquele é o lugar deles!

Depois, outros mil pássaros se juntaram àqueles: os Tsurus da obra coletiva coordenada por João Tessaroli, artista plástico de nossa cidade, cedida pela Pinacoteca Municipal/Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul. Esta intersecção entre cultura na escola e a cultura na sociedade é profundamente transformadora. A função social do saber escolar tem impacto na vida das pessoas. Como núcleo formativo para os professores essa aproximação torna palpável a ideia de que o que se faz na escola não está desvinculado da realidade.

A experiência da declamação dos poemas foi igualmente tocante para mim. Ver os alunos, principalmente os maiores, declamando com entusiasmo e alegria os textos escolhidos foi incrível. Quem diria que aqueles meninos se interessariam por poesia...

“Nossa rua tem poesia....” Tenho certeza que mesmo que se passem muitos e muitos anos ainda me lembrarei da cena em que o funcionário da limpeza de rua largou o saco de lixo no chão para ler um poema que pendia da árvore.