Vicente Reinaldo

Cidade, homem e natureza

O conto de Ítalo Calvino, A cidade perdida na neve, nos convida a uma reflexão sobre a relação cidade, homem e natureza. Analisar este texto significa buscar o entendimento do sentido dialético das contradições objetivas presentes na cidade capitalista do século XX. O conto tem como personagem central Marcovaldo, um operário, que na cidade que se aclama como um permanente ir e vir, se sente inundado pela multidão, e ao mesmo tempo, vive a experiência da solidão.

Marcovaldo é um homem simples, bucólico, que atraído pela ilusão fantasiosa do mundo industrializado e do capitalismo explorador, se afasta do seu lugar de origem, do seu mundo simples e onde se sente livre, para trabalhar e viver na cidade industrializada e caótica. Nela, imagina um mundo utópico onde a natureza assume o lugar central em seu pensamento e orienta suas ações. Marcovaldo se sente angustiado pelo ramerrão da vida diária e aturdido pelo barulho infernal de carros indo e vindo em todas as direções. O suposto desaparecimento da cidade, pela cobertura da neve, lhe traz alívio e lhe dá a falsa sensação de que, num passo de mágica, está de volta às suas raízes, ao seu mundo.

O olhar de Marcovaldo não é apropriado para ver a cidade. Dele passam despercebidos avisos, semáforos, vitrines, cartazes, carros, letreiros luminosos, por mais que esses estejam postos em locais estratégicos para atraírem a atenção dos transeuntes. Mas uma folha caindo dum ramo, uma pena se desprendendo da cauda de um pássaro, um gato passeando sobre um telhado, o voar das moscas, o relinchar de um cavalo, isso sim, prende a sua atenção e o faz descobrir as mudanças da estação. Nas aventuras do operário percebe-se o esforço de um homem de quem a cidade tirou a vida, homem que mesmo extenuado busca alívio ao criar uma cidade imaginária. Marcovaldo não consegue se livrar do jugo da dura realidade da vida urbana, guiada por interesses escusos, e que impõe outras vivências em que não tem lugar aquelas da natureza romantizada.

A cidade imaginada, exercício da criação do novo, do devir não dá conta de transformar a realidade. Marcovaldo parece acordar de um sonho. Sonho de que seus desejos seriam suficientes para transformar a realidade concreta.